quinta-feira, 10 de abril de 2008

[6] El Chaten

Nosso ônibus saía de Puerto natales para El Calafate as 9:00 da manha de terça. De lá seguiria direto para El Chaten sem ficar nenhuma noite. Sem planejarmos nada, do meu lado no ônibus foi a australiana Eva que fez o Torres comigo. Nas duas outras poltronas do lado os colegas de Navio/Navimag o canadense Carl e a peruana Fiorella. Logo atrás de mim o irlandês Paul. Haja coincidência!

Trinta minutos depois de partimos paramos na imigraçao chilena para registrar a saída, mais meia hora partamos na imigraçao argentina para registrar a entrada. Durante toda a viagem víamos pela janela as paisagens cobertas por muita neve.

Chegamos em El Calafate as 15.30. O ônibus para El Chaten saía âs 18:30. Tinha 3 horas para comprar a passagem, trocar dinheiro para obter pesos argentinos, escrever o texto de Torres del Paine no blog e claro, comprar comida no supermercado, esqueci de comer durante o dia todo... ainda bem que o café da manha na Casa Cecilia era como os portugueses chamam o desayuno: um pequeno almoço.

No ônibus para El Chaten, na poltrona de trás estava o francês Nankim, colega de quarto na Casa Cecília. Às 10 horas da noite cheguei a El Cahten e fiz o registro no excelente Albergue Patagônia.

Na quarta-feira acordei muito cedo, faria a trilha até chegar ao cerro Fitz Roy e a Laguna de los Tres a frente. Peguei o mapa ao contrário e acabei indo em direçao oposta a que deveria. Foi bom que cheguei em uma padaria onde tomei o café da manha, café com leite e duas medias lunas. Todas as lojas estavam fechadas e nao pude alugar botas. Entrei em uma loja e o simpático argentino disse que conhecia Minas Gerais, falou também que seria possível eu fazer a trilha com meu tênis. Acreditei.

Comecei a trilha âs 8:30 e consegui fazer um tempo ótimo até o primeiro Mirador, 47 minutos e nao a hora e meia que os guias diziam. Infelizmente apesar das paisagens de neve serem bonitas, nao podia ver o Fitz Roy, havia nuvens ao redor dele, apesar de também haver céu azul e sol atrás de mim.

Continuei as trilhas. Realmente parecia que eu era o primeiro a passar por elas no dia, nao havia sinal de pegadas. Vi uma bifurcaçao para a lagoa Capri mas segui em frente. Vi alguns laguinhos congelados e comecei a ficar com medo de pisar em um deles sem perceber, nao estava fácil achar a trilha depois da nevasca do dia anterior.

Passei por vários acampamentos para finalmente chegar ao ponto final onde teria que subir cerca de 500 metros em um local muito íngrime. Isso levaria cerca de uma hora quando entao avistaria a lugana de los tres com o Fitz Roy ao fundo. havia uma placa indicando que se nao tivesse com calçado adequado nao deveria prosseguir, mas nao consegui desistir naquele momento.

Subi 2/3, sendo que o último 1/3 meus pés afundavam 30 cm na neve. Acho que para aventuras como essas que tenho vivido nos últimos das sao necessários preparo psicológico, físico e equipamentos e apetrechos adequados. Sem o primeiro se desiste diante das primeiras dificuldades. o segundo é a natureza impondo seus limites, nao se luta contra o cansaço, musculos doendo, um gripe, um pulmao deficitário. O terceiro também é fundamental, ele afeta muito o lado psicológico. Roupas molhadas (nao impermeaveis), calçados inadequados, falta de água ou comida fazem muita gente desistir de uma empreitada. A falta de calçados adequados me fez desistir. Comecei a ficar com medo. Era o único ali em meio aquele cenário branco. A subida ficava cada vez mais vertical, a trilha difícil de encontrar, a neve crescia a 40 cm no chao. Às vezes temos que saber a hora de abandonar um projeto furado.

Quando já tinha descido bastante encontrei um casal. Falei para eles das condiçoes mais acima mas eles decidiram continuar mais um pouco. Continuei descendo e encontrei outro casal, desta vez eram dois espanhóis de Barcelona super-equipados. Roupas de montanhista de primeira linha, com direito a polainas, luvas, gorros, macacoes, bastoes. Às vezes também os projetos nao devem ser abandonados, mas reavaliados. Pensei que eu pisando duas vezes naquela neve fofa (minha subida e minha descedia) somada a do casal a frente e a do casal de espanhóis podiam deixar o caminho um pouco mais fácil para mim. Decidi subir de novo.

Rapidamente os espanhois passaram o casal e foram abrindo caminho. Subíamos os 5 juntos. Chegou um ponto que mais uma vez meus pés afundavam na neve, mas nao iria desistir de novo. Depois de muita dificuldade, várias quase-desistências chegamos à Laguna de Los Três. O Fitz Roy nao se via, infelizmente. O tempo havia mudado bastante. Nao havia mais sol nem atrás de nós ao longe, tudo agora eram só nuvens. O frio era de congelar. Nao ficamos nem 5 minutos ali, foi o tempo de só tirar umas fotos. Lembrei agora daquele ditado: "Aquele que vai só vai rápido, mas os que vao juntos vao mais longe".

Começamos a descer, e para mim, de tênis, a descida era pior que a subida. Começou a nevar forte de novo, quase apagando nossas pegadas, e um vento frio fez com que minha pele do rosto, bem como os músculos, quase congelassem. Escorreguei e caí várias vezes. O espanol, sensato, me emprestou suas luvas. Cada vez que eu caía e as maos batiam na neve, elas iam a zero graus. As luvas foram minha salvaçao. Descemos muito rápido e senti um alívio muito grande quando chegamos à base. continuei sozinnho depois. No total, até regressar a El Chaten gastei 7 horas, andei 22 km ida e volta. Na cidade, diferentemente da manha, também estava nevando. Pus meu tenis para secar, tomei um banho quentíssimo e fuui jantar.

No dia seguinte, quinta-feira meu onibus saíria às 18:00. O dia amanheceu bonito de novo, mas gato escaldado tem medo de água fria. Esperei até as 10:00 e o tempo continuava bom. Aluguei entao botas e decidi ir até o mirador tentar novamente ver o Fitz Roy. Desta vez gastei 5 minutos a menos. Fiz em 42 minutos. o Céu estava azul e dessa vez pude ver a fabulosa montanha nevada. O formato é impressionante.

Ouvi alguém falar da lagoa Capri, que estava cerca de 40 minutos à frente e, como tinha tempo, resolvi ir até lá. Vi paisagens belíssimas, a lagoa, o Fitz Roy, o céu azul, as árvores cobertas de neve, o chao branco. Do mirante à lagoa fui conversando com um vietnamita radicado nos EUA. Ele seguiria mais à frente e antes de chegar ao ponto que fui no dia anterior viraria para passar pela lagoas Madre e Hija e chegar ao mirante da outra grande atraçao de El Chaten: o cerro Torre. Olhei no relógio, eram cerca de 12:30. Meu ônibus partia as 18:00, será que dava tempo? Mas quando voltaria a El Chaten? Já fiz a caminhada de Machupicchu, subi a Pedra da Gávea e o Cristo a pé no Rio, fiz a travessia Teresópolis-Petrópolis, subi o vulcao Villarrica em Pucon, fiz o circuito W em Torres del Paine ao longo de quatro dias com uma carga grande às costas. Aquilo nao seria tao dificil, o problema era só o tempo, teria que caminhar bem mais rápido. Decidi tentar. Calculei que caminhando muito apressadamente levaria pouco menos de 4 horas até fazer isso e voltar à cidade. No total seriam seis horas de caminhada, pouco mais de 20 km novamente.

Pisando em muita neve, embaixo de árvores também com muita neve, vendo o Fitz Roy e as lagunas de diferentes ângulos senti muito forte a presença de Deus. Lembrei dos meus parentes e da minha colega de trabalho que morreram em 2007 e rezei por eles. Espero que eles estejam em lugar tao bonito quanto este.

Tirei belas fotos do Cerro Torre e cheguei em El Chaten às 15.30. Escrevi esse texto e agora tenho que ir ao supermercado comprar comida (comi muito pouco novamente), devolver as botas e pegar minha mala para partir rumo a El Calafate.

P.S. Acho que o texto de El Calafate/Perito Moreno consigo postar na sexta.

P.S.2 temperatura máxima aqui: 2 graus celcius.

Um comentário:

Anônimo disse...

Suas viagens e aventuras nada se parecem com "turismo", como disse no post anterior (ou superior?).

Há que se ter cautela, moço, subir na neve, de tênis foi loucura! Ainda bem que foi prudente e voltou, para logo em seguida retornar e subir acompanhado

"Aquele que vai só vai rápido, mas os que vao juntos vao mais longe". Eu gosto desta frase.

Abraços e cuidado!