terça-feira, 8 de abril de 2008

[5] Parque Torres Del Paine

OBSERVAÇAO: texto em estado bruto...

Circuito W
Dia 1 Puerto Natales -Torres del Paine: Refúgio/Acampamento Pehoé
Dia 2 Pehoé - Acampamento Italiano - Vale do Francês - Acampamento Italiano - Refugio /Acampamento Los Cuernos
Dia 3 Los Cuernos - Acampamento Chileno - Acampamento Las Torres
Dia 4 Acampamento Las Torres- Acam pamento Chileno - Hosteria/Refugio Las Torres - Puerto Natales

Assisti a um curta-metragem bem interessante outro dia. Era sobre dois irmaos estadunidenses que viviam sozinhos em um casarao em um bairro de Nova York e que nao conseguiam se desfazer de nada. O tema do curta era sobre a relaçao do homem com os objetos. Começava falando que na época que o homem vivia nas cavernas e era nômade, mudava constantemente de lugar e carregava apenas uma trouxinha com algumas coisas. Já os irmaos que nao conseguiam se desfazer de nada ocuparam os 14 cômodos da casa em que moravam com muito tranqueira. Acabaram morrendo em meio a tanto lixo, o que só foi descoberto devido ao cheiro que os vizinhos sentiram dias depois.

Estou falando isso porque por quatro dias minha vida esteve em minhas costas. Em uma mochila bem grande, com barrigueira que permite concentrar parte do peso fora dos ombros, onde estavam nao só minha casa e cama (barraca, saco de dormir), como também as roupas, comida e outros apetrechos. E confesso que nao foi tao difícil assim ficar afastado da civilizaçao, assim como os nomades, com poucos objetos, diferentemente dos irmaos de Nova York.

Ainda antes de começar a falar do roteiro que acima transcrevi dentro do Parque Torres Del paine, também tenho que dizer que pouco antes de viajar, ainda em Março, acessei algumas páginas na internet e encontrei em uma delas o que queria: companhia para os 4 dias que passaria em Torres del Paine. A paulista Daiane havia deixado um recado com a mesma intenção em um dos forums do site, no tópico “Dicas sobre a Patagônia Chilena”, de maneira que respondi e obtive o endereço eletrônico dela. Trocadas algumas mensagens liguei para ela e combinei de encontrá-la na véspera da excursão ao parque em Puerto Natales, onde ela já estaria com mais uma amiga paulista e uma carioca. Ficariam hospedadas na Casa Cecília após chegarem de Ushuaia (Terra do Fogo – Argentina). Eu também reservei uma vaga na mesma hospedaria para encontrá-las após a viagem de navio de Puerto Montt a Puerto Natales. E assim nos encontramos na Casa Cecília, sendo que as outras duas garotas acabaram desistindo da aventura, porém uma outra, a australiana Eva se integrou a nós.

Alugamos tudo que era necessário para acamparmos (é fundamental, por exemplo, roupa anti-chuva, fogareiro, botas...), compramos comida e pagamos o ônibus e a entrada no Parque. Para nos despedirmos do conforto as meninas prepararam um belo jantar com direito a sobremesa e tudo que comemos em uma mesa redonda na aconchegante hospedaria.

Primeiro Dia
O ônibus passou na Casa Cecília às 7:15 da manha, 15 minutos antes do combinado, porém houve tempo suficiente para tomarmos um excelente café da manha. Sei dizer que por volta do meio dia, após pararmos na entrada do parque, parar uma vez para tirar fotos das montanhas e pegar um barco/lancha pelo lago Pehoé, chegamos ao Acampamento Pehoé. Montamos nossas barracas e fomos fazer a primeira perna do circuito W, que tem esse nome porque o trajeto que fazemos caminhando adquire o formato de um W. A primeira perna do W é ir e voltar até o glaciar Grey. Isso nos tomou toda a tarde da sexta-feira. No começo caminhávamos em meio a vegetaçao, depois próximo a um lago, para finalmente se revelar uma das visoes mais impressionantes que já tive, mas que nao foi a última no Parque. Lá na frente estava o imenso maciço de gelo (dezenas de metros de altura, centenas de largura) cuja continuaçao em nossa direcao se transformava no lago Grey. Se isso nao bastasse, o sol emitia seus raios em meio às nuvens de forma que o cen ário ficava perfeito para os amantes da contemplaçao e da fotografia. A Daiane disse que era como se houvesse um photoshop nos nossos olhos editando e aperfeiçoando o que víamos. Era apenas o primeiro dia e podíamos falar: se tivéssemos que voltar naquele momento, já tinha valido a tempo. Ainda caminhamos muitos minutos nos aproximando do glaciar, e depois voltamos. Tivemos que utilizar nossas lanternas na última meia-hora de trilha para voltar ao refúgio Pehoé. À noite comemos uma bela macarronada para repor nossas energias, feita toda em uma boca de fogareiro no quioque-cozinha de madeira que havia no local. Ao nosso lado haviam mais uns 15 campistas fazendo o mesmo. Ali conheci Kevin, um irlandes que sabia Português e que, acreditem, por baixo do casaco me mostrou que usava uma camisa do Corinthians! Paul e Jonh , os irlandeses que dividiram cabine comigo no navio também fariam o nosso trajeto, assim acampamos perto e sempre nos encontrávamos.

Segundo Dia
No sábado nossa tarefa seria um poquinho mais difícil. Tivemos que iniciar nossa caminhada até o acampamento Italiano com nossas pesadas mochilas nas costas. O fizemos em cerca de duas horas em meio a paisagens bastante inspiradoras. Víamos lagos do nosso lado direito e os cuernos (chifres) do Parque à nossa esquerda. Deixamos nossas mochilas no Acampamento Italiano e partimos com água, chocolate e câmeras para fazer as pernas do meio do W que nada mais é que ir e voltar pelo Vale Francês. Jonh tinha ido mais cedo, Eva e Paul aceleraram muito e deixaram eu e Daiane para trás. A Daiane estava psicologicamente preparada para a estenuante caminhada, mas seu corpo talvez nao, assim tinhamos que ir um pouco mais devagar, o que, por outro lado, nos permitia curtir mais as paisagens. Depois de passar em meio a florestas a nossa frente apareceu o Glaciar Francês. Faltam-me os adjetivos para desc rever essa beleza natural. Diferentemente do Glaciar Grey, o Francês é muito mais inclinado.Imagine que a sua frente está uma imponente montanha com crostas de neve e geloem seu topo querendo cair devido à inclinaçao. Ao mesmo tempo que se via gelo transformando-se em água, virando cachoeiras, se via avalanches formando nuvens brancas. Tudo isso em uma inclinaçao bem grande de modo que o gelo desce, carrega as rochas a frente e se transforma em lago. Fascinante. Voltamos ao acampamento Italiano, pegamos nossas mochilas e seguimos até o acampamento Los Cuernos. Encontramos e conversamos com várias pessoas pelo caminho. Vimos vàrios belos lagos novamente. Montamos nossas barracas e cozinhamos dentro do refúgio: arroz com legumes, linguiça defumada, ovo cozido, acompanhados por uma caixa de u m litro de vinho.

Terceiro Dia
Acoramdos e percebemos que fossos atacados por um bando de ratos. Chocolate, suco em pó, pao, roeram tudo que viram pela frente. Nao deveriamos ter deixado a comida próximo do chao. Mas ainda assim sobrou o suficiente para con tinuarmos. O dia amanheceu com uma chuva torrencial e constante. Seria o dia mais difícil já que teríamos que caminhar cerca de 7 horas como nossas pesadas michilas às costas. Com aquela chuva Eva e Daiane acabaram desistindo e seguiram direto para a Hospedaria las Torres para pegar o onibus. Eu segui sozinho e fui fazer a última perna do W. Tive que subir muito deixando o lago Nordenskjold para trás. Surgiu um pasto amarelo com dois belos cavalos pretos. Minhas energias estavam se esvaindo. Quando a subida acabou, virei a esquerda e mais uma vez tive uma visao de algo que deve se assemelhar ao paraíso, o vale do Ascêncio: entre duas montanhas um belo riacho com água correndo entre pedras. Eu estava no topo da montanha e minha visao seguia aquele riachinho entre as montanhas até o in finito. Várias cachoeiras o alimentavam a partir das montanhas. Boquiaberto, comecei uma descida até chegar ao Acampamnto Chileno. ual foi a minha felicidade quando vi que lá estavam cozinhando e descansando John e Paul. Dali a 5 minutos partimos os três juntos para em uma hora e meia finalmente chegar ao acampamento Las Torres. Nao havia quase infra-estrutura alguma em meio âquele fim de mundo, apenas uma cabaninha de madeira aonde podíamos nos proteger da neve que começava a cair. Sim, neve!! Depois de pegar sol, dia nublado e chuva parecia que viria um dia de neve à fente. Preparei meu jantar usanso a panela de fogareiro do Paul e às 8:00 da noite, com muito frio à nossa volta, todos foram entrar em seus sacos de dormir.

Quarto Dia
Foi a pior noite da minha vida. Quase morri de frio. O barulho da neve caindo era intenso. O vento cortava zunindo, balançava as árvores e derrubava muita neve na barraca. Traumatizado com o dia anterior toda hora parecia escutar os ratinhos tentando entrar. de fato ao menos m eu papel higiênico eles atacaram fora da barraca. Acho que nao dormi nem uma hora direito. Quando abri a porta da barraca e olhei pra fora quase nao acreditei. Tudo completamente branco, 20 cm de neve no chao. Infelizmente nao foi possivel, naquela manha fechar com chave de ouro a aventura, ou seja, subir por uma hora até o mirador e ver o nascer do sol por trás das Torres del Paine. Nem nos atrevemos a tentar. A vida é constituída de altos e baixos. Temos que nos conformar com isso. A natureza mostrava todo seu potencial, das mais diferentes formas. Por outro lado também temos que tentar ver beleza aonde em um primeiro momento pode nao haver. Aquela paisagem branca, para um brasileiro que só conhece inverno e 20 graus celsius, também podia trazer alegria. Com muita dificuldade desmontamos nossas barracas, tomamos um chá quente e forte e fomos embora. Paul a frente afundando os pés na neve fofa. Caminhamos cerca de duas horas pisando em neve e c om a neve caindo sobre nós. Passamos pelo acampamento chileno novamente e nao tardou para chegarmos no refugio Las Torres aonde pegariamos o onibus. Fiquei feliz em encontra lá os brasileiros Bach e Nemo que estavam presos deviso ao tempo. Tomamos uma cerveja para brindar o fechamento do circuito W. Eu estava completamente exausto pelos quatro dias intensos. Meus pés pediam clemência, pois tiveram que suportar mais peso que o usual em subidas e descidas constantes.

A aventura nao terminaria assim. Algo de terrível quase aconteceu. Nosso ônibus, voltando a Puerto natales, a quase 100 km /h, perdeu subitamente o pneu traseiro esquerdo! Era inacreditável ver aquele imenso pneu negro rolando pela estrada e adentrado o pasto. Eu tive quase certeza que o ônibus ia tombar. Por metros e metros, com o barulho do eixo queimando o asfalto, com o ônibus totalmente instável, o motorista tentava pará-lo. As quase 40 pessoas ficaram assustadíssimas, mas o habilidoso motorista conseguiu freiá-lo ao som de muitos aplausos. Descemos todos e nos transferimos para outro ônibus. Ver aquele onibus pelo lado de fora sem um enorme pneu era aterrorizante. Muitos registraram aquilo com fotos. Foi assim que tudo terminou, mostrando que às vezes a sorte também está do nosso lado, nessa gangorra da vida...

P.S. Acho que o próximo texto, sobre El Chaten, consigo postar lá pro dia 11, sexta-feira. Mudei um pouquinho o roteiro, primeiro vou a El Chaten e depois a El Calafate pra ver o glaciar Perito Moreno.

Um comentário:

Anônimo disse...

Quanta emoção em apenas 4 dias! Sem palavras.

Mas sei que breves segundos das paisagens que você descreveu, semelhantes ao paraíso, pagam qualquer aventura.

Lembrei de um poeminha antigo:
"Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu."

Você, certamente, não é este homem.