terça-feira, 25 de março de 2008

[1] Começando por Santiago

Buenos Aires, Belo Horizonte, La Paz. O que essas cidades têm em comum? Preste atenção, volte a elas e leia atentamente o nome de cada uma mais uma vez. Não continue lendo sem antes estabelecer pelo menos uma semelhança entre elas. Todas grandes cidades da América do Sul? Também, mas o que me fez devanear sobre elas são justamente seus nomes. Bons ares, um belo horizonte, paz. Nunca tinha pensado a respeito. Citamos tão automaticamente seus nomes que sequer refletimos sobre isso. Acredito piamente que nomes positivos como esses possam influenciar o humor de seus cidadãos.

Thiago e Paulo eram apóstolos de Jesus Cristo, símbolo do cristianismo, o segmento religioso com maior número de adeptos no ocidente. Não é a toa que a maior cidade do Brasil, São Paulo, tem esse nome, e também São Thiago, Santiago, capital de uma dos países mais católicos da América, o Chile. Talvez seja só por um acaso que meu voo que teve uma escala na capital paulista após o Rio, nao tenha sido de Sao Tiago a Sanpablo. Aproveitando o ensejo, você sabe por que a cidade que você nasceu, ou a que você mora, tem o nome que tem? Mas deixa eu voltar pro meu texto.

Antes de falar mais de Santiago, gostaria de dar uma palhinha sobre o Chile. Primeiro sobre sua curiosa distribuição no espaço. É um país comprido (4000 km de norte a sul) e estreito (apenas 180 km de largura), conforme pode ser observado no mapa ao topo. Acho que nem o Brasil, do Oiapoque ao Chuí, tem 4000 km de extensão. Essa característica faz com que o Chile apresente uma variedade impressionante de vegetação, clima, culturas. Assim, há neste país desertos (o mais seco do mundo), glaciares, fiordes, lagos e vulcões, tudo entre a imponente Cordilheira dos Andes a leste e o longo oceano Pacífico do lado aonde o sol se põe. A população do país é de 16 milhões de habitantes, inferior a da região da Grande São Paulo que já tem quase 20 milhões.

Tudo que sabia sobre o Chile antes de chegar a este país era que ele se destacava em termos de qualidade de vida de todos os demais da América Latina. Não que sua economia seja robusta, pois o somatório de suas riquezas, dos faturamentos das empresas (PIB – Produto Interno Bruto) é muitíssimo menor que o do Brasil, mas a desigualdade entre as diferentes classes não se equipara à brasileira. Além do número baixo de pobres, possibilitando que a maioria da população chilena desfrute uma boa qualidade de vida, a educação chilena é excelente. Dizem que enquanto as demais ditaduras que existiram na América deixaram pouca saudade, ao menos os militares chilenos (liderados por Pinochet nos anos de 1970 a 80) deixaram esse legado, implantaram um modelo educacional que privilegia a formação do indivíduo desde as fases infantis, ao invés de concentrarem investimentos somente nas faculdades e universidades. Mas que fique bem claro, não estou aqui elogiando ditadura alguma, apenas uma característica positiva que coincidiu com uma.

Me hospedar em Santiago, não foi fácil, só na terceira tentativa consegui um local de bom custo-benefício. Na verdade a temporara alta por aqui ainda nao acabou. Mas o local que casualmente acabei ficando, Hostel London na rua Londres, está se mostrando melhor do que a encomenda. Por essa e outras que um planejamento excessivo pode nao ser convidativo, se tivesse feito reservas em outro local, talvez não tivesse tão satisfeito. Vale destacar que o local que acabei procurando no final veio de uma lembrança de uma dica de um mochileiro no site mochileiros.com, a internet anda facilitando muito a vida dos viajantes.

Ainda no Domingo, após minha chegada, apesar de bastante cansado, ainda consegui dar uma saída e acabei me deparando por acidente com o Cerro Santa Lucía, que na verdade é um misto de pequena montanha e um agradável parque no meio da cidade, aonde se pode subir e ter uma bela vista do município. Depois continuei andando a esmo e cheguei a outros tradicionais pontos da cidade como a Plaza de Armas os paseos Ahumada e Huérfanos (ruas para pedestres cujo calçamento parece ser o de largos passeios) e a belíssima Catedral aonde pude assistir a metade de uma missa celebrada pela ressureição de Cristo, na Páscoa. No paseo Ahumada há um shopping, o Mall del Centro, nome que em português soa bem propício para um centro de consumo... Engraçado que em todas as opçoes de fast food o conjunto de comidas oferece a possibilidade de a bebida ser alcoólica, mas não é vinho não, apesar do país se destacar pela produção deste, mas um copão de cerveja. Também vi que é bem comum servirem o que chamam de picher, se não me engano, que é uma jarra com 1 litro de chopp por pouco menos de dez reais.

Gosto de ler jornais locais quando estou em outro país se entendo a língua. É uma maneira de conhecer o que anda preocupando uma determinada população e como uma cultura enxerga o mundo. Ao tomar um café na Starbucks (não gostei muito, meio fraco, na próxima pedirei um extra-forte...) as notícias que me chamaram a atenção foram 1) O relacionamento do Chile com seus países vizinhos Bolívia, Peru e Argentina. O Chile vem desativando os campos minados implantados na sua fronteira em 1970 quando tinha conflitos com esses países. 2) A presença dos vulcoes. A reportagem destacava que 88% dos vulcoes mais ativos do Chile não são vigiados (com sismógrafos e GPS), só 10 dos 80 mais ativos, incluindo o Villarrica (que vou subir) e o Llaima que entrou em erupção em Janeiro de 2008. No total sao 2000 vulcoes. Reparem que o Brasil nunca é acometido por nenhum dos dois problemas citados, relacionamento com vizinhos e problemas naturais... Também no jornal percebi pelos classificados que o que se paga por um carro 2003 no Brasil, se compra um 2006 no Chile.

Na segunda-feira conheci três bairros bastante interessantes: o Bellavista, o Las Condes e o Providência, acho que bairros, mais que o próprio centro, ajudam a entender melhor a identidade de uma cidade. O primeiro é um bairro boêmio, que parece que pode ser melhor aproveitado a noite. O segundo é parte de uma área nobre que também compreende o terceiro, possivelmente estes dois últimos bairros sao os mais ricos da cidade. Talvez equivalham a Ipanema/Leblon no Rio, Recoleta em Buenos Aires, Miraflores em Lima, Savassi em Belo Horizonte. A rua Suécia, no Providência, entre a rua Providência e o rio Mapocho, é impressionante, umas vinte incrementadas boate-bares ao longo de meros cem metros. Lá também me chamou a atenção a camiseta de um chileno com a seguinte frase: Prefiro ser um Borracho Conocido que um Alcoholico Anonimo. Borracho equivale a nosso bebado. Por falar nisso, extravagancia pra mim só mesmo no supermercado: comprei queijos e o vinho mais caro, por apenas R$16. Vamos experimentá-lo... Ah , voce ainda vai precisar disso: saca-rolhas em espanhol é saca-corcho...

P.S. Visitei também Palácio de La Moneda, o Museu de Bellas Artes, a Estação Mapocho e almocei no Mercado Central

P.S. 2 A Pergunta que não quer calar: Santiago é melhor que Buenos Aires? Para uma questão simplória uma resposta igualmente economica: se no primeiro paira um ar ingles, no segundo paira um ar italiano, principalmente nos bairros. Eu ainda ficaria com Buenos Aires, apesar de ter gostado muito de Santiago, que, com certeza, é mais interessante que La Paz, Lima e Montevideu.

P.S. 3 Me lembrei agora de um excelente filme de Julie Gravas que explica muito do porquê de o Chile ter seguido um rumo diferente na América e hoje ser um país mais justo, o filme chama-se “A Culpa é de Fidel”. Se passa na França, em Paris, e a protagonista é uma menininha que vê seus pais diminuírem drasticamente o padrão de vida, por ideologia, inclinando-se para o comunismo, passando a se engajar e a receber em sua nova e modesta casa grupos de Chilenos que tramam o destino político do Chile. O filme, que se passa na década de 70 vai muito além de uma polaridade ideológica direita/esquerda, fala sobre solidariedade, espírito de grupo, insinua que partilhar o tempo, o espaço, o conhecimento, traz alguma compensação futura. Nada poderia ser mais verdadeiro com relação ao Chile. O filme é belíssimo, recomendo e sugiro que acompanhem atentamente a evolução da menina-protagonista do egoísmo para o coletivismo. Funciona! - estou comprovando que o Chile é prova cabal disso.

P.S 4 Me perdoem por alguns acentos ausentes, sao esses teclados espanhóis...

P.S 5 Acho que o próximo texto, sobre Pucon, consigo postar lá pra sexta-feira dia 28.

3 comentários:

Veridiani disse...

Querido amigo Cris,

Bellísimo texto! Una clase de historia, geografía y actualidad.

hasta la vista.

Veri.

Unknown disse...

Oi Cris

To adorando,to aprendendo ...
Estarei acompanhando...
Abraços

Josinéa

Cristiane disse...

A Savassi, aqui em BH, já teve seus anos dourados, hoje não sei se pode ser comparada a Ipanema /Leblon. Quando vier nos visitar levaremos você lá.

Adoro os vinhos chilenos. Comprou a R$ 16,00? Uma pechincha. Valeu a pena? (Creio que sim).

Sobre a frase: Prefiro ser um Borracho Conocido que um Alcoholico Anonimo. Já li a mesma várias vezes aqui. Que coisa esta tal de “globalização”.

“Almocei no Mercado Central”. Será que é parecido com o daqui de BH? Creio que não....

Sobre a política Chilena, para os especialistas em América Latina é um país que se destaca em muitos aspectos, iniciando por sua colonização. Por causa da localização não foi alvo severo dos europeus e teve um desenvolvimento diferente do Brasil, Argentina, Paraguai, etc. E, hoje, a política de Michelle Bachelet é crucial para colocar a economia do país comparada a índices europeus. Quando estudamos América Latina desde a colonização até os dias atuais o Chile se destaca e se diferencia comparado aos outros países.

Sempre quis conhecer o Chile e quando lecionei América Latina e conheci um pouco da trajetória histórica do país fiquei com mais vontade de conhecer. E, claro, também por causa dos inúmeros vinhedos que existem aí. Of course!

Que viagem deliciosa: passeio, cultura e história.

Abraços,